Em busca de uma linguagem radiofônica atual

*por Luis Henrique dos Santos

Outro artigo lido nos últimos dias foi “Audioficção na pandemia: estratégias de produção e busca por uma linguagem sonora atual”, de Eduardo Vicente, professor do Curso Superior do Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP) e pesquisador associado ao CEPID NeuroMat, publicado em 2022 pela Revista INSÓLITA (Revista Brasileira de Estudos Interdisciplinares do Insólito, da Fantasia e do Imaginário).

Trata-se de um estudo da atualização da linguagem ficcional radiofônica desenvolvida no país, a partir da apresentação de três podcasts de ficção produzidos no contexto  da pandemia ― “Paciente 63”, “Que dia é hoje?” e “Tudo vai ficar: uma história de quarentena”. Para tanto, o autor propõe um resgate histórico da produção radiofônica, bem como uma comparação entre o momento atual, a “época de ouro” do rádio brasileiro das décadas de 1940-1950 e o projeto de produção de milhares de horas de programação pela agência publicitária Lintas nos anos 1980.

Além disso, o artigo questiona as práticas de produção e distribuição atuais em um mercado dominado pelas plataformas internacionais de streaming: quais são as possibilidades de atuação de produtores independentes e como se dá a oferta de conteúdo aos ouvintes nesse cenário?

Essas duas questões abordadas no texto me remeteram às pesquisas de formatos predominantes na podosfera brasileira (inclusive, comentei sobre uma recentemente, voltada aos podcasts de Ciência) e suas possíveis justificativas.

As imagens sonoras

*por Luis Henrique dos Santos

A leitura desta semana foi o artigo “Imagens sonoras: potencialidade de sentido das produções sonoras veiculadas no rádio e em podcasts”, de Graziela Valadares Gomes Mello Vianna, publicado na revista Interin, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. Nele, a pesquisadora recorre a autores como Pierre Schaeffer e ao conceito de “imagem sonora” para discutir a potencialidade de sentido sugerida pelo som.

Foi o meu primeiro contato com esse conceito, revisado no texto ao lado de outros termos próximos, como “objeto sonoro” e “imagem mental”. Para defini-lo, a autora apresenta uma comparação de autoria de Schaeffer (1970), que assemelha às imagens sonoras a sensação de escutar o mar quando se aproxima o ouvido de uma concha.

O artigo também incorpora contribuições mais recentes sobre o tema, de autores como Vincent Tiffon e Pierre Mariètan, que investigam a importância do som na definição de aparências e espaços contemporâneos, a partir de fenômenos como a reverberação, por exemplo.

Ao longo da leitura, busquei utilizar etiquetas para categorizar alguns trechos que podem ter finalidade para o meu projeto em algum momento. Trata-se de um método apresentado em uma das reuniões de pesquisa e que vem se mostrando um exercício interessante de revisão e fichamento.

Podcasts brasileiros sobre Ciência

*por Luis Henrique dos Santos

Na última reunião de pesquisa, compartilhei com os demais bolsistas a minha última leitura: “Podcasts de divulgação científica: levantamento exploratório dos formatos de programas brasileiros”, de Ana Cristina Peixoto Figueira e Diego Vaz Bevilaqua, publicado na Reciis (Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Trata-se de um artigo que aponta, a partir do levantamento de 69 podcasts e da sistematização qualiquantitativa de 109 episódios, os formatos e estilos predominantes nessa produção de conteúdo no Brasil. 

Na verdade, essa leitura se deu a partir da dificuldade de encontrar publicações que dialogassem diretamente com a questão norteadora da minha pesquisa, sobre as oportunidades e limitações da trilha sonora em podcasts de Ciência. Dessa forma, recorri ao artigo em questão para ter uma dimensão da produção atual desse tipo de podcast.

Foi uma experiência muito proveitosa. Destaco a seção que remonta o histórico da prática de podcasting no contexto internacional e nacional, além de detalhar a popularização dos formatos de bate-papo e entrevista. Como escutava alguns dos episódios conforme eram mencionados, também descobri programas que quero acompanhar de perto a partir de agora. 

Segundas inquietações

*Por Andres Julian Vera

Se a primeira inquietação que precedeu minha pesquisa no NeuroMat foi a natureza do próprio NeuroMat, as inquietações seguintes vieram na esteira de um aparente contrassenso: não seria irrazoável (ou mesmo uma provocação) propor o uso de uma forma tão indefinida, maleável e controversa como o ensaio para tratar a comunicação científica de temas de ciências duras? Afastei rapidamente essa incompatibilidade pensando numa ideia de alteridade.

Nada mais interessante que o choque pelo contraste. O que eu quero dizer com isso? Que, para além dos esforços em ampliar definições (numa única linguagem) sobre um objeto, também posso conhecer mais sobre esse objeto quando estou a ampliar as suas traduções (para outras linguagens). Alguém pode objetar que essa tradução não passa de nova definição, noutra linguagem. Mas isso só sugere que tudo pode ser redutível à linguagem. E isso não nos ajuda.

No entanto, pensemos em duas coisas. Primeiro, que o próprio papel do NeuroMat é criar modelos matemáticos para interpretar dados da neurobiologia. Sem muito esforço, dá para ver o tamanho do abismo qualitativo entre os objetos matemáticos e as interações elétricas e químicas de neurônios dentro de uma cabeça. Segundo, que o papel da comunicação científica também é saltar um abismo. Neste caso, abismo entre linguagens propriamente ditas, mas distintas.

Nos dois casos acima: não há como fugir da ideia de tradução. Ela implica um certo grau de compromisso com o que significa aquilo que foi traduzido – seja na conversão da fisiologia a um modelo matemático, seja na explicação desse modelo ao público leigo pela via de uma metáfora cognitiva – esta última, não à toa, é tema importante do Curso de Introdução ao Jornalismo Científico que fazemos como bolsistas do NeuroMat.

Ainda nesse sentido, tradução implica algo a mais que o mero contrabando competente de definições, de lá para cá, ou de cá para lá, como faria um tradutor automatizado, a rigor totalmente inconsciente do sentido traduzido. Ele é inconsciente justamente porque não “vê de fora” o que traduz. Opera sob zero alteridade. E o que isso tem a ver com a minha inquietação original relativa ao papel do ensaio? Porque o ensaio bem manejado, penso eu, produz alteridade.

Concluí que todas essas inquietações, ainda muito básicas, coubessem numa pesquisa sobre comunicação científica. E que pudessem interessar ao fim de ciclo do NeuroMat, recentemente marcado pela inesperada morte de Antônio Galves. Esse era, digamos, o momento T(-1) da pesquisa. Ainda havia muita névoa para chegar no T(0) que representa a submissão propriamente dita do projeto. De etapas seguintes falo noutros posts. Adianto que houve dificuldades.

Para fechar este post, digo que essa imagem mental da névoa me agrada. É uma metáfora visual banal, mas descreve bem a sensação de quem sai a tatear por espaços desconhecidos. Quando esse “espaço” está dentro da própria cabeça, a literalidade da brincadeira tem consequências esquisitas, mas muito sérias.

Basta lembrar da ideia de “vapores” ou “espíritos” circulando pelos ventrículos cerebrais como instrumento da alma. Hoje, um absurdo. Mas foi hipótese considerada muito plausível, de Galeno (130-210 d.C.) a Descartes (1596-1650), a despeito de tantas nuances de interpretação ao longo de mais de mil anos.

A iluminura abaixo, do século 1300, pertence ao time. Mostra muito claramente as cavidades cerebrais responsáveis por capacidades localizadas do cérebro, como memória, imaginação, raciocínio. Na parte anterior da cabeça, um pequeno órgão em formato de verme (a glândula pineal, no centro do cérebro) separa a cavidade da memória das demais cavidades posteriores. Nada à toa.

Trata-se de uma representação medieval baseada nas ideias de Qusta ibn Luca (864-923), que foi além na ideia dos “espíritos” que circulam dentro da cabeça e conjecturou todo seu mecanismo: o ato de levantar a cabeça suspenderia a glândula pineal (abrindo a passagem de “espíritos” da memória para as cavidades superiores do cérebro) e o ato de abaixar a cabeça comprimiria tal glândula (fechando a passagem de “espíritos” da memória que perturbariam o raciocínio). Daí que levantar a cabeça ajudaria a rememorar. Abaixar a cabeça, a raciocinar. Uma fisiologia cerebral sem dúvida fascinante. E toda errada.

Redescobertas

*por Luis Henrique dos Santos

Como exercício de busca por possíveis referências para o meu projeto, tenho escutado alguns episódios de podcasts diversos sobre Ciência, como “SciCast”, “O Som da Ciência”, “Dragões de Garagem”, entre outros. Esse último, na verdade,  foi uma redescoberta.

De acordo com a minha memória (nem sempre muito confiável), o meu primeiro contato com a podosfera se deu por meio do episódio número 15 do “Dragões de Garagem”, sobre domínios biológicos, publicado em agosto de 2013. O programa contou com a participação de Luciano Queiroz, Lucas Camargo, Cristiano Silvério, Felipe Benites e Átila Iamarino ― o responsável por me apresentar o podcast, já que, na época, comandava o canal “Nerdologia” no Youtube e recomendava por vezes outros conteúdos de divulgação científica.

Redescobrir um material tem o seu encanto. É curioso observar as mudanças que as produções mais recentes desses podcasts demonstram, comparando-os com os mais antigos. São mudanças de formato, duração, dinâmica, temática e até de identidade sonora ― o que muito me interessa, por conta do projeto de pesquisa. 

Sem dúvida, essas observações serão de grande valia ao longo do processo de produção da nova temporada do “A Matemática do Cérebro”. Tenho certeza de que o Luis de 11 anos atrás estaria empolgado com o que está por vir.