Sobre Ciência, Divulgação, Museus e Ernst Hamburguer há muito o que falar…

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Profa. Martha Marandino, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (foto disponível no Wikimedia Commons).

 

Por Martha Marandino

(Intervenção na mesa-redonda “Desafios da Difusão Científica: homenagem a Ernesto Hamburger”, realizada em 9 de junho de 2016 pelo CEPID NeuroMat.)

Muito aqui já foi falado sobre a importância e relevância do professor, pesquisador e divulgador Ernst Hamburger. Gostaria aqui apenas de acrescentar neste vasto universo de contribuições que o prof. Hamburguer vem dando para a ciência, para a educação e para a divulgação, a importância do seu envolvimento com os museus de ciências e, em especial, com a Estação Ciência que dirigiu nos anos de 1990.

A Estação Ciência, como todos sabem, teve origem dentro de um amplo movimento, ocorrido nos anos 80, de preocupação da comunidade científica em relação ao ensino de ciências em São Paulo. Foi criada em 1987, a partir de um esforço coletivo de membros de várias instituições, entre elas o CNPq, a USP e a UNICAMP. Inicialmente estava vinculada ao governo federal, através do CNPq.

Mas, com o então desmonte do governo ocorrido em 1990 durante o governo Collor, como marca da investida neoliberal que apostava neste desmonte como saída da então crise (será que isso é realmente passado?), a Estação Ciência é integrada à USP. Durante um longo tempo a EC foi regida pelo Conselho Universitário, e passou depois a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, onde se encontra até hoje, neste momento como um projeto, mas sem um corpo. O prédio, localizado na região da Lapa, foi devolvido ao Estado.

A proposta da Estação Ciência era fundamentada no movimento dos Science Centers e possuía, em grande parte de sua exposição, modelos interativos nas áreas da Física, Astronomia, Química e Biologia, mas também das ciências humanas. As concepções museológica, de comunicação/ divulgação e de educação deste espaço mereceriam um longo e importante estudo. Muitos projetos ideológicos, políticos e conceituais (e as vezes pessoais) se cruzaram ali ao longo da sua história: foi um museu, um centro de ciências, um centro de formação de professores, um local de produção e empréstimo de materiais experimentais, um centro de estudo e de projetos sobre arte e ciência, um laboratório de projetos sociais. E foi muito mais!

Exatamente por apostar em uma política de não repressão aos variados públicos, inclusive de menores que exerciam atividades ilegais nas ruas do entorno, e assegurar o acesso a atividades educativas nasceu o Projeto Clicar, em 1995, durante a gestão do Prof. Hamburguer, em parceria com Centro de Estudos e Pesquisa da Criança e do Adolescente – CEPECA. O Projeto Clicar atendeu crianças e adolescentes em situação de risco social, visitantes da Estação Ciência/USP, por muitos anos, realizando atividades ligadas a informática. Esse projeto, ganhador de prêmios, é somente um exemplo do papel que a Estação Ciência representou em termos de uma iniciativa extensionista de relação entre a USP e a sociedade. A Estação Ciência já não existe mais, pelo menos desta forma!

O momento é difícil para o país: o desmonte da universidade e das políticas públicas conquistadas nas várias áreas e, em especial, na cultura, na educação e na ciência a partir do golpe de estado em curso é extremamente preocupante. Com relação a divulgação científica, a preocupação só aumenta, já que esta é uma área de conhecimento e de ação muito pouco valorizada pelas agências de fomento e, de certa forma, pela própria comunidade científica. Mas não era isso que vinha acontecendo nos últimos 15 anos na política científica do país: é um fato a importância que a temática da divulgação e, mas especificamente, da popularização da ciência ocupou nos últimos anos no Brasil.

Importante dizer, neste panorama, que desde pelo menos o fim do século XX vem aumentando o número de editais de fomento à pesquisa no Brasil que propõem, em alguma medida, a realização de ações que levem o conhecimento científico produzido para outros setores da sociedade que não a própria comunidade científica. Esta é uma tendência que vinha se manifestando tanto em agências federais como estaduais de financiamento, por meio dos editais que associavam a pesquisa científica a ações de educação e divulgação ou de editais totalmente voltados a divulgação científica. Os museus de ciências têm sido importantes beneficiários destes financiamentos como um braço do movimento de divulgação científica e de educação não formal no país.

Recentemente, realizamos um levantamento em editais e chamadas públicas do CNPq, no período de 2005 a 2012 e constatamos que no texto de vários editais aparece o termo “transferência do conhecimento”, com o objetivo de destacar a necessidade dos projetos contemplados realizarem ações de socialização do conhecimento para a sociedade. É o caso, por exemplo, dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (2008), entre outros.

A nível estadual, a FAPESP lançou os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão/CEPIDs em 1998, com a finalidade de, além do desenvolvimento da pesquisa científica de ponta nas várias áreas do conhecimento, “aproveitar todas as oportunidades de fazer transferência de conhecimento para benefício da sociedade”. Assim, todos os CEPIDs devem contribuir para a educação científica de crianças e jovens, na atividade de difusão científica, seja interagindo com escolas ou interagindo diretamente com o público geral. Segundo ainda a FAPESP “essas atividades, além de seu valor intrínseco, contribuem para o desenvolvimento de uma cultura onde o pesquisador se sente co-responsável pela educação básica no país e contribui efetivamente para a educação científica da população.”

O NeuroMat ou Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática é um CEPID da FAPESP. Este evento, promovido pela equipe de difusão científica do CEPID NeuroMat, tem entre os seus objetivos dar visibilidade ao trabalho de pesquisa e transferência desenvolvido, se articulando assim com as finalidades dos demais CEPIDs. É, desta forma, relevante o trabalho feito pelo Neuromat e parabenizo aqui aqueles envolvidos em suas ações.

Gostaria, contudo, de finalizar minha fala problematizando este movimento recente da divulgação científica no país. Correndo o risco de levantar questões em um momento onde já nem sabemos se haverá financiamento para pesquisa e, muito menos, para a divulgação científica e educação, me parece que o avanço que tivemos nos últimos anos não pode sofrer retrocessos, mas também não pode estar desacompanhado de análises e críticas.

O uso de termos e expressões como “transferência de conhecimento para sociedade” ou “pesquisador como co-responsável pela educação básica”, deve ser pensado com cautela para evitarmos ideias equivocadas e deficitárias sobre a escola, o professor e o público em geral. Citando de propósito e de forma provocadora o Paulo Freire, este educador/comunicador costumava dizer que “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” Me pergunto se nós, educadores, professores, divulgadores e cientistas estamos promovendo essa possibilidade de criação. Creio que o professor Ernst Hamburguer o fez!


Este texto foi publicado originalmente pelo boletim Pensar a educação em pauta.

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